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No Dia Mundial da Doença de Alzheimer, publicamos uma entrevista com Celso Pontes, médico neurologista do Hospital de Santa Maria – Porto, onde se fala sobre esta patologia e sobre as demências em geral, as suas causas, a prevenção possível e os tratamentos, atuais e em estudo.
Por definição, demência é uma síndroma resultante da perda de capacidades cognitivas, previamente existentes, e em tal grau que interfere com as atividades da vida diária do paciente. Essa perda de capacidades cognitivas resulta de uma alteração, funcional ou estrutural das redes neuronais que as suportam. Existem muitas causas possíveis de causar demência: trauma, tóxicos, alterações vasculares e, em grande número, doenças neurodegenerativas, nas quais, sem grande influência externa, as células nervosas deixam de funcionar corretamente e se destroem.
A Doença de Alzheimer (DA) emerge deste conjunto por ser muito mais frequente do que outras causas e por evoluir com alterações cognitivas que podem ser diversas, mas em que predominam as alterações da memória recente, não tendo os doentes para além disso outras alterações neurológicas nem doenças sistémicas como causa primária. A DA caracteriza-se na maioria dos casos por uma perda de memória dos acontecimentos recentes e que lentamente vai progredir para uma alteração da memória exuberante, e mais tarde, interferir com a orientação, praxis, com a linguagem, com as capacidades visuais/espaciais e com as capacidades executivas.
Em 2018, existiam 193.516 casos de demência em Portugal (dados da Alzheimer Europe), mas segundo um relatório mais recente da Alzheimer Europe (Dementia in Europe Yearbook 2019) sobre a prevalência da demência na Europa, esses números foram revistos em baixa para todas as faixas etárias consideradas e os números totais de doentes na UE seria de 7.853.705. Em Portugal, prevê-se, pois, uma redução daquele número citado, a decrescer até 2025, mas depois a aumentar até 2050, podendo atingir nessa data 346.905. Existem já, em Portugal, (citados na referida publicação) estudos pequenos, e alguns em curso, de prevalência da doença, em pequenas zonas do país, e que permitem extrapolar para populações mais vastas. Existem limitações difíceis de ultrapassar. Primeiro, porque a doença existe em fases diferentes, ligeira moderada e grave, e sem diagnósticos aprofundados poderemos falar em demência, mas sem acuidade suficiente para dizer se é Doença de Alzheimer ou não, e depois, porque a cobertura sanitária não é uniforme e haverá casos que são cedo reconhecidos e outros não. De qualquer modo, e apesar de termos números aproximados de prevalência, seria muito bom fazermos um estudo epidemiológico mais vasto.
Várias causas concorrem para isso, desde o envelhecimento populacional já referido, a existência de um elevado número de doenças cérebro-vasculares, e um combate pouco eficaz ao envelhecimento ativo. O combate aos fatores de risco reversíveis e, em especial, comorbilidades que sabemos agravam a cognição. Finalmente a população mais idosa, em geral, e em especial as mulheres está, em geral, só, isolada e desprovida de estímulos cognitivos e de atividade física lúdica que lhe permita manter padrões de saúde mental elevados.
A causa das demências é diversa. E, mesmo com a mesma causa, a sua expressão clínica é diferente de doente para doente. É possível prevenir ou minorar algumas, outras não.
Por exemplo, a demência vascular pode (e deve) ser prevenida. Atualmente identificam-se vários fatores de risco para a demência – em 2017 a “Comissão Lancet para a Prevenção, Intervenção e Tratamento ao Longo da Vida na Demência”, identificou nove fatores de risco que parecem interferir com o aparecimento e curso da doença: baixo nível educacional, hipertensão arterial, surdez, tabagismo, obesidade, depressão, inatividade física, diabetes, pouca interação social. Numa atualização mais recente, acrescenta mais três condições: o abuso de bebidas alcoólicas, o trauma crânio-encefálico e a poluição atmosférica. E com argumentos convincentes. Grande parte ou mesmo a totalidade destes fatores, podem ser prevenidos ou minimizados, havendo aí um enorme campo para a prevenção.
Mesmo em doentes com possibilidade de desenvolver Doença de Alzheimer, o estilo de vida, ao longo da existência, é muito importante para minorar e retardar a fase clínica da doença.
Existe uma norma da DGS, publicada inicialmente em 2011 e atualizada em 24/4/2023. Essa norma abrange o diagnóstico e o tratamento disponível à data. Resumindo, a avaliação, como em qualquer doença, inicia-se pela história da doença, antecedentes, medicação em curso, pelo exame físico, incluindo o exame neurológico, estudo cognitivo e avaliação do desempenho nas atividades da vida diária e avaliação do estado psicocomportamental. A inventariação da medicação em curso, não só o que foi prescrito, mas o que efetivamente o doente toma, é importante porque muitos efeitos colaterais podem perturbar a cognição. Esta abordagem inicial, permite em grande parte dos casos colocar as hipóteses diagnósticas mais plausíveis em cada caso. Essa abordagem clínica será depois complementada com estudos analíticos e estudos de imagem cerebral, para excluírem causas potencialmente tratáveis e, direta ou indiretamente, sustentarem o diagnóstico inicial.
Atualmente estão disponíveis, autorizados e comercializados para a Doença de Alzheimer os inibidores da acetilcolinesterase e a memantina. No entanto, foi efetuada muita investigação e novos medicamentos começam a surgir após ensaios clínicos rigorosos. Esses medicamentos são designados por anticorpos monoclonais (o último falado é o Donanemab) e parecem ter uma ação efetiva na redução da formação de depósitos amilóides no cérebro, e melhorar a cognição. Não há ainda informação da sua eficácia e inconvenientes a longo prazo. Seriam mais eficazes nas formas iniciais da doença e têm efeitos colaterais relevantes. Não está ainda aprovada a sua comercialização. Quando, e se, forem aprovados esses medicamentos, as recomendações de diagnóstico terão de ser revistas, com toda a probabilidade, para incluírem estudos com marcadores, quer no sangue ou no LCR e, ainda, PET com marcadores da amiloide.
O objetivo é reduzir ou atenuar a progressão da doença e os seus sintomas. Os inibidores da colinesterase (donepezilo, galantamina, rivastigmina) que aumentam a oferta de acetilcolina (mediador sináptico) nas células, e que se utilizam desde as fases iniciais. A memantina que é um modulador do receptor do N-metil-D- aspartato (NMDA) do glutamato que previne a excitotoxicidade protegendo as células em situação de doença, e que se utiliza em fases mais evoluídas do processo.
Os resultados são variáveis de doente para doente. De qualquer modo não representam um tratamento curativo, mas antes sintomático.
Os novos medicamentos, em estudo, atuam interferindo com a deposição da substância beta-amiloide no cérebro dos doentes e teriam já uma ação “curativa” ao interferir com um dos processos patológicos implicados na doença. Os ensaios com o Donanemab, que envolveram cerca de 1700 doentes, mostraram reduzir o declínio cognitivo em cerca de 35% dos participantes; sendo ainda melhores os resultados nos doentes em fases mais iniciais (cerca de 60%). Paralelamente reduziram a “carga” de depósitos amiloides cerebrais desses doentes.
Dos novos medicamentos, que ainda não estão no mercado europeu, e que vêm a ser estudados há vários anos, os mais falados são anticorpos monoclonais anti b-amiloide, e teriam já uma potencial ação “curativa” ao interferir com um dos processos patológicos implicados na doença, e que é a deposição da substância b-amiloide no cérebro dos doentes. Os ensaios com o Lecanemab (e também com o Donanemab,) mostraram ter efeitos positivos, mas muito modestos, e paralelamente efeitos colaterais (edema vasogénico e micro-hemorragias cerebrais) relativamente importantes e, assim, a relação risco benefício parece não aconselhar a sua utilização como tratamento de rotina – daí não terem sido considerados pela European Medicines Agency (EMA).
Por outro lado, os estudos efetuados decorreram num curto espaço de tempo e é necessário ainda saber o comportamento dos doentes para além dos 18 meses. E, além disso, estes tratamentos envolvem a necessidade de administração em perfusão endovenosa de quinze em quinze dias ou de mês a mês e a realização de ressonâncias magnéticas frequentes para detetar os efeitos adversos.
De momento, seria bom desenvolver a deteção precoce da doença e conseguir estacionar os sintomas e não permitir que a doença progredisse dando a incapacidade que dá.
Também seria útil desenvolver o esforço de prevenção de todos os fatores que a condicionam ou agravam. Gestos simples, como a educação e o exercício físico regular ao longo da vida, o envolvimento social e atividade cognitiva parecem ter um efeito protetor no despertar da doença. Por último, mas não menos importante, cuidar e tratar as outras doenças que o doente pode ter, em especial prevenir a hipertensão arterial e a doença cérebro vascular, que são fatores de desencadeamento ou agravamento desta doença.
Por fim é importante recordar que o tratamento dos doentes não se resume a medicamentos. Tratar é promover o bem-estar dos doentes ao longo da doença e isso envolve cuidados de muitas outras valências, desde psicólogos, terapeutas ocupacionais, enfermeiros, apoios socias, envolvimento familiar e meios de saúde preparados para o desafio que estes doentes vão necessitando durante a sua vida.
Neste dia é bom recordar ainda a Associação Alzheimer Portugal que tem sido, todos os dias do ano, um motor de divulgação da doença e de ajuda aos doentes, e carece da ajuda de todos.
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